Conhecer a doutrina do pecado é imprescindível aos estudantes da Bíblia. Conceitos filosóficos e tantas outras teorias aparecem com a tentativa de explicar a questão do pecado, e geralmente o fazem num plano isolado e incoerente com a doutrina bíblica. O apóstolo Paulo fala do pecado conceituando-o segundo a revelação que o Espírito Santo lhe dera sobre o assunto. Ele não fez rodeios filosóficos para aclarar o assunto. Pelo contrário, desnudou a matéria para que a revelação mantivesse a autenticidade. Ele relacionou o pecado com a necessidade da justiça de Deus. Por isso, destaca a realidade do pecado e o coloca à luz do Evangelho, revelando todos os seus estigmas. Na Carta aos Romanos, especialmente, Paulo apresenta o pecado e o coloca diante do pecador, como quem traz provas dos fatos.
Sucinta e objetivamente, procuraremos dar uma visão panorâmica do que é e o que significa o pecado.
O pecado é uma realidade na experiência humana
Iniciemos nossas considerações sobre o assunto com Romanos 3.23: “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus”. Nenhum outro escrito de Paulo é tão realista quanto a carta aos Romanos, e Paulo foi objetivo e direto ao tratar da questão do pecado, especialmente nos três primeiros capítulos.
Nesta carta, o apóstolo relacionou esta doutrina à da salvação para poder explicar o tratamento de Deus em relação aos judeus e aos gentios. Porém, o destaque neste artigo é o modo como Deus vê o pecado e como pode ser expiado do mesmo. Há uma tentativa milenar em resolver a questão do pecado negando-o como um fato. Na história da queda de Adão e Eva, o pecado corrompeu a estrutura moral e espiritual da humanidade, e a sua restauração só é possível mediante o poder do Evangelho (Romanos 1.16). É errônea a pretensão humanista de declarar que “o homem é inerentemente bom”, bem como é falível a pretensão moralista de querer amenizar a realidade pecaminosa do homem. O problema capital do homem é a sua pecaminosidade, e nenhum esforço próprio poderá salvá-lo. A Bíblia declara que “todos estão debaixo do pecado.” (Romanos 3.9).
Todo ser humano tem em si a consciência da realidade do mal. Todos somos dotados desse “senso moral” que nos capacita a escolher entre o bem e o mal.
O pecado na dimensão lingüística e teológica
A definição sobre o pecado tem uma abrangência enorme, porque o delineia sob a ótica de cada fato em si. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos apresentam o pecado nas suas mais variadas formas e classes. No Antigo Testamento, o hebraico é a língua dos seus escritos, e algumas palavras nessa língua determinam a ideia judaica do pecado. Em o Novo Testamento a palavra pecado é definida, também, sob vários ângulos.
Vejamos, inicialmente, algumas definições do hebraico sobre o pecado no Antigo Testamento.
1. Chatta’th que é termo relativo na língua grega do Novo Testamento a hamartia, cujo sentido de ambos os termos é errar o alvo, perder o rumo. Significa que cada ser humano tem diante de si o alvo da vida, mas erra o alvo. Denota, tanto a disposição de pecar como o ato resultante (Levítico 16.21; Salmo 1.1;51.4; 103.10; Isaías 1.18; Daniel 9.16; Oséias 12.8).
2. Pasha’, que significa transgredir. Primeiramente, esta palavra dá a idéia de invadir, ir além, rebelar-se. A idéia do pecado aqui é a de que o homem ultrapassou a linha de limites, isto é, forçou a entrada; foi além dos limites estabelecidos (Gênesis 31.36; Salmo 89.32; Amós 4.4).
3. Ra’a, significa ser mau. Tem o sentido de quebrar, danificar por violência. O termo ra’a significa aquilo que causa dano, dor ou tristeza. Tem o sentido, também, de pecado deliberado, malicioso, planejado; que provoca e se enfurece. Exemplos em Gênesis 8.21; Êxodo33.4; Jeremias 11.11; Miquéias 2.13. São pecados na forma de violência.
4. Ramah quer dizer enganar e dá a idéia de prender numa armadilha, num laço. É próprio do pecado o ato de enganar e agir traiçoeiramente. É um pecado semelhante ao que prepara uma cilada, uma armadilha (Jó 13.7; Salmo 32.2; 34.13; 55.11; Isaías 53.9).
5. Pathah quer dizer seduzir. Esta palavra, literalmente, significa ser aberto. No Éden, o homem e a mulher abriram espaço para o pecado, isto é, se deixaram seduzir pelo engano do pecado. Várias outras palavras hebraicas poderiam abrir um leque ainda maior para compreendermos a questão do pecado. Porém, nos reservamos a apenas cinco palavras, para podermos conhecer algumas palavras na língua do Novo Testamento, a língua grega.
Em o no Novo Testamento, a língua dominante para escrita era a grega, conhecida como grego koinê, isto é, popular, a língua do povo. Eis, portanto, algumas palavras gregas que definem o pecado na ótica do NT.
1. Hamartia, cujo sentido é errar o alvo, perder o rumo, fracassar. O homem, no princípio, perdeu o rumo da vida, isto é, fracassou em não atingir o padrão divino estabelecido para sua vida.
2. Anomia que significa desregramento, ou seja, desvio da verdade conhecida, da retidão moral. (1 João 3.4). Entende-se, portanto, que o pecado tanto é um ato como é uma condição. Pecar significa afastar-se daquilo que Deus considera como “conduta ideal” para o homem neste mundo.
3. Asebeia, que significa impiedade (Provérbios 8.7; Romanos 5.6; 2 Pedro 2.6).
4. Parabasis tem o sentido de transgressão (Mateus 6.14; Tiago 2.11). Esse termo consiste na oposição a Deus e a seus princípios.
5. Paranomia é uma palavra relativa à parabasis e significa a quebra da lei; é o afastamento da lei moral de Deus (Atos 23.3; 2 Pedro 2.16).
6. Paraptoma é uma palavra que sugere dar passos falsos (Mateus 6.14; Efésios 2.1).
Na verdade, estas definições sobre o pecado indicam a riqueza da doutrina na Bíblia. São terminologias das línguas originais da Bíblia que mostram o retrato do pecado nas suas mais diversas esferas da vida humana.
O pecado na ótica de Paulo
O assunto requer espaço e tempo. Por isso, nos deteremos em apresentar uma faceta do pensamento Paulino sobre o pecado, fazendo uma exegese textual de Romanos 1.18 que diz: “Porque do céu se manifesta a ira de Deus sobre toda a impiedade e injustiça dos homens que detém a verdade pela injustiça”. A palavra “manifestar” ou “revelar” tem o mesmo sentido nesta escritura.
Quando o texto diz que “a ira de Deus se revela” é o mesmo que dizermos que “a ira de Deus investe contra a impiedade e injustiça dos homens”. Ora, impiedade e injustiça são duas palavras destacadas nesta escritura, porque se revestem de um significado profundo em relação a justiça de Deus.
Impiedade refere-se à falta de reverência, à irreligiosidade do homem pecador, e a palavra injustiça refere-se à imoralidade, no sentido de perder todo o senso moral das relações com Deus e com os demais seres humanos. Ser ímpio é ser injusto ao mesmo tempo. O viver negando a existência de Deus é ser impiedoso ou irreligioso. A impiedade aqui é a negação à verdade de Deus, à sua realidade na criação.
A ira de Deus se revela contra a violação da genuína piedade. A verdade não pode ser retida. A existência é fato incontestável. Não adianta o pecador fechar os olhos à realidade de Deus. “Deter a verdade” revela o medo do homem em relação à sua pecaminosidade, porque a verdade é luz que projeta o monturo do pecado e as suas consequências.
A verdade revela-se na luz da consciência, bem como no testemunho da natureza criada (Romanos 1.19,20). A verdade é Cristo (Jo14.6) e o pecador tenta obstruir a sua luz. Esta indiferença consciente para com Deus implica na manifestação da sua ira.
A ira divina não pode ser julgada ou comparada à ira humana. A ira divina é uma reação natural e automática da Santidade de Deus contra as manifestações do pecado. Significa que Deus é Santo e não corre o risco de perder sua santidade, por isso, sua santidade e justiça reagem automaticamente. O homem, pelo contrário, precisa ser santo; precisa buscar a santidade. Para o homem, quando encontra Cristo, seus pecados são expiados e ele entra num processo de santificação enquanto viver.
ELIENAI CABRAL