Por Pr. Gunar Berg1
Superintendente da EETAD e Edições Bernhard Johnson

Os livros resultam da mais honrosa das atividades humanas, o pensamento. Se hoje os textos ganham as páginas por meios requintados e tecnologias surpreendentes, o passado não era desprovido de engenhos de reprodução. Pensantes, os seres humanos se arranjam em variegadas formas de perenizar ideias, sensações, conhecimento e até desinformações!
Na Antiguidade, madeira e pedra foram os antepassados da celulose. Talhadeiras e cunhas faziam menção aos clássicos tinteiros, às modernas esferográficas e às impressoras velozes que jazem sobre nossas mesas. E a cada vez que o homem mudava sua escrita, a escrita mudava o homem. Sempre que a forma de se estocar conhecimento foi revolucionada, a própria humanidade convulsionou-se em profundas mudanças, também.
Entretanto, as modificações pelas quais passou a escrita não a fizeram mais popular. Os tempos que hoje vivemos, com livrarias em qualquer parte, com informações em qualquer lugar e a qualquer hora, são inéditos! Não houve instante da história humana em que tanto a informação popularizou-se. Ainda que as bibliotecas de duzentos anos atrás sejam comparáveis às de hoje, somente agora a informação parece ser para todos.
Os mais antigos depósitos de livros da humanidade eram tratados como particular propriedade de monarcas e alguns poucos estratos sociais. O conhecimento era posse exclusiva de privilegiados cidadãos dos impérios mundiais. Foi assim com as bibliotecas de Nínive e da Mesopotâmia, e com a maior de todas elas, a de Alexandria, que acervou um milhão de volumes.
O testemunho histórico depõe a favor de uma relação de comprovado sucesso entre o saber e a humanidade, cujo filho chama-se bom êxito. A grandeza dos impérios egípcio, babilônico, persa, grego, romano demonstra alguma relação com o tamanho das bibliotecas destes grandiosos reinos. O saber engrandece aqueles que o cultivam. Diz a História o mesmo que a Bíblia sempre afirmou: a sabedoria é um tesouro de valor insondável. Possua-mo-la!
Mais perto de nós, em Portugal, encontramos aquela que, à sua época, foi a maior biblioteca da Europa e das Américas. Em números absolutos, este acervo é mais austero que o milhão de tábuas de Alexandria, mas seus 70 mil volumes continham muitos mais informações e dados que qualquer outra biblioteca da antiguidade. O arquivo português era o grande mimo daquela família real, e viria a ser a mais importante reunião de títulos dos séculos XVIII e XIX, sendo cultivada desde o século XIV.
Nos anos 1800, Portugal já não era o grande império ultramarino que dominava o “mar sem fim” de Fernando Pessoa; contudo, sua importância pretérita só fez reforçar a ideia de que o poderio luso tinha a ver com o investimento em leitura. Orgulhosa de sua biblioteca, a dinastia de Bragança empreendeu grande esforço para, em 1807, quando escapou da fúria de Napoleão, transportar para a colônia americana do Brasil seus milhares de livros, pinturas, esculturas. O arquivista real, Santos Marrocos, encarregou-se de embalar o enorme acervo, mas o improviso do embarque fez órfã, ainda no porto de Lisboa, a preciosa carga. Somente três anos depois, Santos Marrocos chegaria ao Brasil trazendo consigo os livros de Sua Majestade.
A exemplo de Portugal, um dos maiores impérios marítimos da História recente, as grandes nações modernas também avolumam o saber em formidáveis bibliotecas. Mas não são os livros em catálogo que moldam as nações, os livros lidos é que as transformam.
As atuais potências mundiais são os países que mais investiram na formação intelectual de seus povos. Cada vez que um livro é aberto, a quantidade de suas páginas multiplica o progresso, a liberdade e o conhecimento. Essa efervescência patrocinou o avivamento dos ideais bíblicos em Zwínglio, Lutero e Calvino. A fertilidade de pensamentos bíblicos reformou a Igreja, conforme o querer soberano de Deus. O Senhor do tempo conduziu o mundo para uma plenitude que possibilitou a irradiação do discurso da graça para todos os povos escravizados pelo jugo católico.
Qual foi, porém, a biblioteca promotora da Reforma Protestante? Ora, numericamente ela não é relevante. Não se trata de uma coleção de milhares de livros, mas de uma que, no todo, não é mais volumosa do que os grandes tomos editados em qualquer imprensa. A Biblioteca que de fato revolucionou o mundo é, claro, a Bíblia Sagrada.
Os sessenta e seis livros que compõem esta biblioteca portátil foram os responsáveis por mudar a história de muitos homens. Mais que qualquer outro título já publicado, a Bíblia é o mais lido, o mais debatido, o mais louvado, o mais perseguido. É o mais publicado e o mais destruído. É ao mesmo tempo amado e odiado. Lido, e negado. Pregado e distorcido. Não houve na História da humanidade outra literatura que transformasse a vida de tantos ao mesmo tempo, e por tanto tempo como a Bíblia Sagrada.
Literatura das literaturas, seus escritores dominavam a arte de compor em prosa ou verso, com sensível preocupação estética. Sublime, a Bíblia não é apenas gênero, mas estilo. Tem beleza singular, peregrina e sobrenatural.
A sublimidade literária da Bíblia revela-se em tudo o que a forma. Da literatura histórica à poética, passando por textos filosóficos, biográficos, proféticos e devocionais. Tudo nela é correção de estilo. Tudo nela é perfeição inevitável. Tudo é divinamente superior e belo. As histórias que conta têm por essência a verdade, mostram a ação de Deus na redenção do ser humano por intermédio de Cristo. Não são mitos, pois sua fonte é divina, como divina é a inspiração dos que escreveram.
Alexandre Herculano, maior historiador de Portugal, muito se queixava dos primitivos cronistas da História de seu país. Eles se baseavam mais em lendas do que em fatos, reclamava. Gregos, romanos e portugueses rogavam às musas que os ajudassem a compor seus poemas ufanistas. Vergílio pediu inspiração de conhecida entidade: “Dize-me tu, Musa, que o meu estro inspiras”. Eis o rogo que Luís de Camões endereça às divindades pagãs: “E vós, Tágides minhas, pois criado tendes em mim um novo engenho ardente. Dai-me agora um som alto e sublimado, um estilo grandíloquo e corrente, porque de vossas águas Febo ordene que não tenham inveja às de Hipocrene”.
A Palavra de Deus não é sonho ou miragem. É luz! A Bíblia é não um pensamento iluminado, mas a própria iluminação, pois emana do Pai das Luzes. Enquanto a humanidade precisou vagar cinco mil anos para autoproclamar-se iluminada, os patriarcas da Antiguidade já eram todos reluzentes como a aurora, pois neles habitava a luz que dissipa as trevas e abrilhanta as escuras veredas por onde passarão os pés dos que anunciam as boas-novas.
Poeticamente, nada há que se possa comparar ao sacro dulçor. Mesmo os autores mundiais renderam-se à Bíblia utilizando-se de seus textos para que ela fale onde eles não conseguem se expressar. O capítulo paulino sobre o amor é repetido por Camões. O maravilhoso poeta inglês, Shakespeare reproduzia ou aluzia consideravelmente a Palavra de Deus em seus escritos. George Steiner observou:
“Existe uma exceção suprema e desafiadora […] da presença bíblica na literatura inglesa. Estudos auxiliares falam de um número considerável de alusões a material bíblico em Shakespeare. Citações das Escrituras, na maior parte mudas e indiretas, foram identificadas. […] algum instinto prudente de superior autonomia inibiu Shakespeare de um contacto demasiado próximo com os únicos textos, com o único discurso em ação, que poderiam ofuscar as suas próprias faculdades”
Mas ainda que o mundo não dê testemunho da maravilha que é a Bíblia, e normalmente não o faz, nós, seus leitores e amantes, sempre a teremos como o Livro dos livros. Não amamos a Bíblia por sua perfeição literária, mas porque ela é, inegavelmente é, a Palavra de Deus. Inerrante. Infalível. Completa. Inspirada. Insubstituível.
- Gunar Berg de Andrade é historiador e formado em Teologia pelo Instituto Bíblico Pentecostal e pela Global University. De suas atividades destaca-se que é coordenador acadêmico da Escola e Faculdade de Educação Teológica das Assembleias de Deus – EETAD e FAETAD, professor-fundador do Instituto Bíblico de Paulínia (SP) e professor-convidado de outros seminários. Seus artigos e reflexões são publicados nos periódicos da Casa Publicadora das Assembleias de Deus – CPAD; além disso, mantém um canal no YouTube (youtube.com/c/gunarberg). Ele é co-autor e autor de outros 5 títulos. Nascido em Diadema-SP, o pastor Gunar Berg e sua esposa Ana Lúcia e suas duas heranças, Estevão (15) e Amy Beatrice (8), moram no interior do estado de São Paulo, e servem ao Senhor nas Assembleias de Deus. ↩︎