Raizes Pentecostais

Por Pr. Adolfo Pereira Neto 1
Pastor auxiliar da Assembleia de Deus em Belo Horizonte (ADBH)

Dentre todas as doutrinas fundamentais, a escatologia ocupa o papel de estágio final dos acontecimentos bíblicos, a última estação da história. Nela, todos os apontamentos proféticos sobre o fim dos tempos, incluindo a passagem para o estado eterno, se cumprirão. Dessa perspectiva, ela é como um oceano para a qual convergem todos os rios das verdades sagradas.

O assunto central da escatologia bíblica é, sem dúvida, a segunda vinda de Cristo, que inclui as doutrinas do arrebatamento dos salvos e da vinda triunfal do Senhor. É importante destacar que há apoio bíblico suficiente para considerar o arrebatamento e a vinda triunfal como eventos distintos.

A distinção entre o “arrebatamento” e a “vinda triunfal” baseia-se na interpretação literal do material profético das Escrituras, método conhecido como “dispensacionalismo clássico”. Este sistema distingue as alianças de Deus com Israel e com a Igreja, tratando-os como povos distintos com pactos exclusivos ao longo das eras, ou “dispensações”. É importante destacar que, embora a interpretação literal do texto profético seja uma das bases do dispensacionalismo, ele não despreza as figuras de linguagem presentes nas Escrituras.

Com base nesse sistema de interpretação, a maioria dos teólogos e estudiosos pentecostais acredita na volta pessoal de Jesus à terra para estabelecer seu reino milenar, uma concepção escatológica conhecida como “pré-milenismo”. Os pré-milenistas dispensacionalistas ensinam que a vinda triunfal e visível de Cristo para estabelecer o milênio será precedida pelo arrebatamento dos salvos. Entre esses dois eventos, haverá um período de sete anos, correspondente à Grande Tribulação. Esse entendimento teológico é denominado “pré-tribulacionismo”. A doutrina pré-tribulacionista sustenta que a Igreja não conhecerá o Anticristo, pois será arrebatada antes do período de seu governo, um tempo de sofrimento e julgamento sobre a terra, amplamente descrito nas Escrituras.

O ensino bíblico sobre a Grande Tribulação parte dos livros proféticos do Antigo Testamento, com especial destaque ao livro do profeta Daniel. No capítulo 9, encontramos clara alusão ao futuro governo do Anticristo, que fará uma aliança de paz envolvendo Israel e um conjunto de outras nações. Esse pacto terá duração de três anos e meio e será subitamente quebrado pelo próprio proponente, seguindo-se outros três anos e meio de terrível perseguição aos judeus. Esse futuro líder global profanará o templo em Jerusalém, o Terceiro Templo, cuja construção provavelmente, será patrocinada por ele, impedindo a continuação das cerimônias e sacrifícios judaicos (Dn 9.27. Cf Mt 24.15-21 e 2Ts 2.4). A partir desse momento, a paz será tirada da terra (Ap 6.4) e, então, se cumprirá um tempo de grande angústia e julgamento descrito no Apocalipse, nos capítulos 6 ao 19. Esta será “a hora da provação que há de vir sobre todo o mundo” (Ap 3.10). A distinção entre Israel e a Igreja é essencial aqui, pois este período é visto como um tempo de julgamento sobre Israel e as nações, enquanto a Igreja já terá sido arrebatada.

O termo “arrebatamento”, ou “rapto”, provém do verbo grego harpazo (ou harpagēsometha, no futuro do indicativo passivo, primeira pessoa do plural), que aparece em 1 Tessalonicenses 4.17, traduzido para o português como “seremos arrebatados”. Refere-se à vinda de Cristo sobre as nuvens de forma secreta e repentina, com o propósito de trasladar os salvos da terra para o céu. No momento do arrebatamento, dois fenômenos sobrenaturais são esperados: a ressurreição dos salvos em Cristo, também conhecida como “primeira ressurreição”, e a transformação dos corpos dos salvos que estiverem vivos. Segundo o ensino do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 15.51-53, esses dois eventos ocorrerão de maneira repentina e simultânea, em uma fração de segundos, num abrir e fechar de olhos.

A doutrina pré-tribulacionista é excelente, porque apresenta uma interpretação coerente e sistemática das Escrituras. Ela respeita a distinção entre Israel e a Igreja, conforme descrito em Romanos 11 e Efésios 2.11 – 3.13. Além disso, está perfeitamente alinhada com as promessas bíblicas de livramento. Paulo afirmou que os crentes podem “esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura” (1Ts 1.10). O apóstolo disse ainda que “Deus não nos destinou para a ira” (1Ts 5.9). O próprio verbo harpazo (1 Ts 4.17), que traduz a expressão “seremos arrebatados”, já carrega em si mesmo a ideia de um livramento. Em Atos 23.10, por conta de um tumulto em Jerusalém, Paulo foi retirado à força (harpasai), por um comandante romano, para preservar-lhe a vida. 

A esperança no arrebatamento pré-tribulacionista reforça que a Igreja de Cristo será poupada dos juízos de Deus que serão derramados sobre a terra durante a Grande Tribulação. Assim como Noé e sua família foram resguardados na segurança da arca antes que as águas do dilúvio cobrissem a terra, acredita-se que os salvos serão preservados da ira vindoura. Da mesma forma, Ló foi retirado de Sodoma por intervenção divina antes que o fogo consumisse a cidade (Lc 17.26-30). Cristo prometeu à igreja fiel de Filadélfia que seriam guardados “da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra” (Ap 3.10). O evangelista Lucas, no sermão profético, registrou as palavras de Jesus: “Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas essas coisas que hão de acontecer e de estar em pé diante do Filho do Homem” (Lc 21.36). Na versão Almeida Revista e Atualizada, o texto é traduzido como: “Vigiai, pois, a todo tempo, orando, para que possais escapar de todas estas coisas que têm de suceder e estar em pé na presença do Filho do Homem” (ARA). À luz do contexto, “todas estas coisas” se referem à Grande Tribulação. Logo, se é possível evitar ou escapar da Grande Tribulação, então a única saída plausível será um arrebatamento pré-tribulacional.

Outro fundamento da doutrina pré-tribulacionista é o abundante ensino neotestamentário da “iminência”, abordada diversas vezes pelos apóstolos, especialmente por Paulo, e por alguns dos “Pais da Igreja”. Por definição, iminente é algo que está para acontecer a qualquer momento, sem qualquer aviso ou condição prévia. Essa característica de iminência se adequa à crença no arrebatamento, mas não se aplica à vinda triunfal de Cristo, que será precedida de acontecimentos, na terra e no céu. Portanto, o ensino bíblico sobre a iminência corrobora a esperança do arrebatamento pré-tribulacional, reforçando a necessidade de os crentes estarem sempre vigilantes e preparados.

Conforme evidenciado em suas cartas aos Tessalonicenses e aos Coríntios (1 Ts 4.17; 1 Co 15.52),  Paulo acreditava que a vinda de Cristo era tão iminente que ele se considerava parte da geração do arrebatamento. Nos textos mencionados, o apóstolo utiliza o pronome pessoal “nós” (do grego, hēmeis, a primeira pessoa do plural, no caso nominativo), demonstrando sua esperança de que Cristo viria enquanto ele ainda estivesse vivo. Embora não temesse a morte (Fp 1.21), Paulo esperava a vinda de Jesus em vida. 

Durante o período patrístico, muitos dos “Pais da Igreja” compartilhavam dessa mesma esperança. Clemente de Roma (século I), Inácio de Antioquia (século II), Cipriano (século III), Victorino (século III) e Efrém, o Sírio (século IV) são alguns dos notáveis que mantinham essa expectativa. Há também importantes produções literárias do século II, como “O Didaquê – Instrução dos Doze Apóstolos”, “A Epístola de Barnabé” e “O Pastor de Hermas”, que possuem grande autoridade e reconhecimento entre os Pais da Igreja. Os escritos relacionados a esses expoentes da fé cristã nos primeiros séculos corroboram a esperança do arrebatamento pré-tribulacionista, enfatizando conceitos como vigilância e iminência.

A expectativa do arrebatamento iminente também serve como um poderoso incentivo para a evangelização. O conhecimento de que o tempo é curto e que a tribulação está por vir deve motivar os crentes a compartilharem o evangelho com urgência, conforme Jesus instruiu em Mateus 28.19,20. Este senso de brevidade é vital para a missão da Igreja e destaca a importância de estarmos sempre prontos para o retorno de Cristo.

Finalmente, a doutrina pré-tribulacionista oferece esperança e consolo aos crentes em Jesus, a todos os que “amam a sua vinda” (2 Tm 4.8). A expectativa do arrebatamento iminente nos inspira a uma vida de santidade e vigilância, conforme ensinado em 1 Tessalonicenses 5.6: “Assim, pois, não durmamos como os demais, mas vigiemos, e sejamos sóbrios”. Saber que a Igreja será poupada da ira vindoura proporciona um grande conforto e uma esperança viva.

_____

  1. Adolfo Pereira Neto é bacharel em teologia, pastor auxiliar da Assembleia de Deus – Ministério Belo Horizonte (ADBH) e professor em seminários teológicos. Sua trajetória ministerial teve início no campo missionário, tendo atuado na cidade de Atlanta (EUA) entre 2008 e 2010. Desde 2022, vem servindo à igreja matriz na capital mineira, o Templo Central da ADBH. Adicionalmente, atuou como diretor do departamento de missões da igreja, tendo sido responsável pelos projetos transculturais, nacionais e de evangelização urbana. Também é formado em outras áreas do conhecimento, como história e filosofia. Casado com Cristiane Carla Pereira, é pai de dois filhos, Nicholas e Emilly. ↩︎