Por Profª Marta Doreto de Andrade 1
Professora da EETAD, autora da Edições Bernhard Johnson

Em uma de suas eloquentes pregações, o missionário Bernhard Johnson relata algo que me vem à mente, ao cantar hinos que expressam anelo pelo céu, como é o caso do 36 da Harpa Cristã. Ele conta que uma idosa, ao testemunhar num culto público, declarou: “Tenho 93 anos e hoje é o meu aniversário. Eu amo Jesus, amo-o tanto que sinto saudade do céu”. Um presbítero, sentado ao lado do Pastor Bernhard, cochichou-lhe: “A doutrina dela está errada. Como pode sentir saudade do céu, se nunca foi lá?” Ao que o Missionário replicou: “A sua é que está errada. Quando ela se entregou ao Filho de Deus, foi transportada aos lugares celestiais em Cristo Jesus”.
E a pregação do Pastor Bernhard Johnson segue explicando que somos cidadãos do céu, o lugar que Jesus foi preparar-nos, e que se acha tão bem descrito na Bíblia, que é-nos possível conhecê-lo e desejá-lo com um anelo tão ardente, que só pode ser expresso como “saudade do céu”.
Eu compreendo bem o sentimento daquela anciã e compartilho dele. Há dias em que sinto um anseio tão grande pelo céu – às vezes, por inundar-me a alegria da presença de Deus, outras, por angustiar-me a maldade deste mundo. Dentre os hinos da Harpa Cristã que proclamam a volta de Cristo e exprimem desejo de estar com Ele na glória, há duas frases que me ajudam a expressar meu anelo pelo céu. A primeira, do hino 346, eu canto quando o meu cansaço é do tamanho da fila de trabalho que ainda tenho pela frente: “Lá no céééu, eu descansareeeei!”. E quando as lutas parecem não ter fim, eu canto: “São sóóóó até Jesus voltar”, do hino 53.
Decerto foi um sentimento assim que inspirou Justus Nelson a escrever o belíssimo hino “O Exilado”, número 36 da Harpa Cristã, com a música de uma canção de Stephen Collins Foster (1826-1864). A composição original canta a nostalgia que os escravos africanos, trazidos à América, nutriam por sua pátria e seus velhos pais que lá ficaram. Daí, não é difícil compreender por que a poesia de Justus coube tão bem à melodia de Foster.
Contudo, sentimentos não embasam doutrina. Para afirmarmos que o hino “O Exilado” é doutrinariamente correto, havemos de compará-lo às Sagradas Escrituras. Apreciemos, pois, cada estrofe:
Da linda pátria estou bem longe;
Cansado estou.
Eu tenho de Jesus saudade,
Oh, quando é que eu vou?
Claramente, o autor expressa o mesmo sentimento do apóstolo Paulo, quando este escreveu aos filipenses: “Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo” (Fp 3.20).
Passarinhos, belas flores
Querem me encantar;
São vãos terrestres esplendores,
Mas contemplo o meu lar.
As belezas e prazeres terrenos, ainda que lícitos e concedidos pela bondade do Senhor, perdem o encanto quando elevamos o olhar ao Lar celestial. “Não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não veem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.18). Justus Nelson sabia que “as coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que o amam” (1Co 2.9). Nisso embasava-se a sua inspiração.
Jesus me deu a Sua promessa;
Me vem buscar.
Meu coração está com pressa,
Eu quero já voar.
O poeta fundamenta a sua certeza do céu na garantia da volta de Jesus, fartamente repetida na Bíblia. Tomemos como exemplo esta promessa, feita pelo próprio Senhor, de voltar e levar-nos consigo: “Virei outra vez, e vos levarei para mim mesmo, para que onde eu estiver estejais vós também” (Jo 14.3).
Meus pecados foram muitos,
Mui culpado sou.
Porém, Seu sangue põe-me limpo;
Eu para pátria vou.
Embora reconhecendo a multidão dos seus pecados, o que garante ao compositor – e a nós também – a admissão por Deus na pátria celestial é que “o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado” (1 Jo 1.7).
Qual filho de seu lar saudoso,
Eu quero ir.
Qual passarinho para o ninho,
Pra os braços Seus fugir.
Semelhante “desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor” foi manifesto pelo apóstolo Paulo (Fp 1.23).
É fiel, Sua vinda é certa.
Quando? Eu não sei.
Mas Ele manda estar alerta;
Do exílio voltarei.
A data do arrebatamento não foi revelada nem ao poeta nem a qualquer de nós. Portanto, é imprescindível a vigilância recomendada por Cristo, a fim de não sermos deixados para trás. “Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de vir” (Mt 25.13).
Sua vinda aguardo eu cantando;
Meu lar no céu.
Seus passos hei de ouvir soando,
Além do escuro véu.
Tão belos versos não são fruto unicamente da alma poética de Justus Nelson, mas de um profundo conhecimento bíblico. É impossível cantarmos as palavras acima sem que nos venha à mente Hebreus 6.18-20: “… tenhamos a firme consolação, nós, os que pomos o nosso refúgio em reter a esperança proposta; a qual temos como âncora da alma, segura e firme, e que penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque”. Aleluia!
E aí vem a repetição de que os deleites terrenos são efêmeros aos que contemplamos a glória do porvir:
Passarinhos, belas flores
Querem me encantar.
São vãos terrestres esplendores,
Mas contemplo o meu lar.
Sim, a Harpa canta as Sagradas Escrituras.
- Marta Doreto de Andrade é autora de várias obras, para adultos, jovens e crianças. Quem não se lembra com saudades de seu primeiro livro, “Thais a Bela do Éden“? Quantas crianças não leram “O Evangelho para a Garotada“? A autora atuou como professora-evangelista por mais de quarenta anos, não apenas lecionando, mas escrevendo livros e comentando revistas de Escola Dominical para crianças e adolescentes. Ultimamente, vem se dedicando a escrever para as mulheres. Duas de suas obras mais queridas são “Quando o Amado Desce ao Jardim” e “Mulheres que Ouviram a Voz de Deus“. A irmã Marta é esposa do Pastor Claudionor de Andrade, mãe do Pastor Gunar Berg e da autora Karen Bandeira, e avó de quatro netos, servos do Deus vivo. ↩︎