Por Altair Germano1
Pastor na AD Abreu e Lima (PE), professor da EETAD e autor das Edições Bernhard Johnson

Quando nos debruçamos sobre a Bíblia em busca dos fundamentos da doutrina do arrebatamento da igreja antes da Grande Tribulação, os principais textos usados, dentre outros, são 1 Tessalonicenses 1.10 e Apocalipse 3.10.
Em termos teológicos o pré-tribulacionismo é um tema já presente no período dos Pais da Igreja. Efrém (ou Efraim) foi um teólogo cristão da igreja bizantina oriental, que viveu no século IV d.C. Ele nasceu perto de Nisibis, na Síria, atual cidade de Edessa, na Turquia. A passagem que está no centro do debate é a seguinte:
[…] Creiam-me, caríssimos irmãos, pois a vinda do Senhor está próxima, creiam-me pois o fim do mundo está às portas, creiam-me pois é já o último tempo. Ou vocês não creem a não ser que vejam com seus próprios olhos? Cuidem para que não se cumpra a respeito a sentença que o profeta declarou: “Ai daqueles que desejam ver o Dia do Senhor!” Porque todos os santos e a Eleita do Senhor serão reunidos antes da tribulação que está por vir e serão levados ao Senhor, para que jamais vejam a confusão que assolará o mundo por causa de nossos pecados. E assim, irmãos, muito queridos, é já a undécima hora e o fim deste mundo chega para a colheita e os anjos, armados e preparados, trazem foices em suas mãos, aguardando o império do Senhor […].
As principais dificuldades apresentadas por alguns teólogos em relação à aceitação do presente texto são as seguintes: (a) o documento não teria sido escrito pelo teólogo do século IV chamado Efrém, mas somente trezentos anos após a sua morte, e é em razão disso que é atribuído ao pseudo-Efrém; (b) mesmo que o texto tenha sido escrito originalmente em grego, a parte referente ao pré-tribulacionismo consta apenas em uma tradução em latim do século VIII ou IX d.C. Sendo assim, seria mais seguro não se valer em demasia desta referência.
Alguns dos pontos do texto de Efrém (Efraim ou pseudo-Efrém) são resumidos por Jeffrey da seguinte forma: (a) o manuscrito apresenta os eventos dos últimos dias em sequência cronológica, iniciando com o Arrebatamento, seguido da Grande Tribulação, que durará três anos e meio sob o domínio do Anticristo, seguida da Segunda Vinda de Cristo à terra, junto com seus santos, para derrotar o Anticristo; (b) de maneira significativa, Efraim usa o termo “iminente” para descrever o Arrebatamento que acontecerá antes da Tribulação e da vinda do Anticristo. “Devemos entender de maneira completa, portanto, meus irmãos, o que é iminente ou próximo”; (c) ele afirma que o propósito de Deus em arrebatar a Igreja (os santos serão reunidos e levados para o Senhor) é para que os crentes “jamais vejam a confusão que assola o mundo por causa de nossos pecados”. Tal confusão se refere à Grande Tribulação, algo que a humanidade jamais testemunhou.
Mesmo se for comprovado que o texto não foi escrito no período patrístico, nem por Efrém, é relevante o fato de ser um texto que remonta ao século VIII ou IX d.C.
Além da questão de autoria, historicidade e autenticidade do texto, a disputa entre os teólogos se estende para o significado do termo Grande Tribulação em Efrém, chegando alguns a afirmar que se trataria do Juízo Final. Tal argumento é bastante improvável, pois ao falar sobre o “fim do mundo”, o autor se refere sempre a um período de tempo (o último tempo): “Creiam-me, caríssimos irmãos, pois a vinda do Senhor está próxima, creiam-me pois o fim do mundo está às portas, creiam-me pois é já o último tempo”. E ainda:
Quando portanto vier o fim do mundo, surgirão guerra diversas, comoção por todos os lados, terríveis terremotos, perturbações entre os povos, tempestades terra afora, pestes, fome, seca ao longo das estradas, grandes perigos no mar e na terra seca, perseguições constantes, matanças e massacres por toda a parte, medo nos lares, pânico nas cidades, tremor nas estradas, suspeitas, ansiedade nas ruas […]. Ninguém conseguirá se recobrar naquele tempo se não estiver plenamente alertado do perigo vindouro, mas todas as pessoas, premidas pelo medo, serão consumidas pelos males iminentes.
A descrição supracitada está claramente mais próxima da Grande Tribulação, do que do Juízo Final.
Ao longo da história da Igreja a doutrina pré-tribulacionista foi defendida por nomes como os de John Nelson Darby (1800-1882), C. I. Scofield (1843-1921), Lewis Sperry Chafer (1871-1952), John Walvoord (1910-2002), J. D. Pentecost (1915-2014) e Charles C. Ryrie (1925-2016).
No contexto do Pentecostalismo Clássico, desde o seu início houve uma aproximação desse com o dispensacionalismo. Os dispensacionalistas acreditam que ao longo dos tempos Deus está buscando alcançar dois objetivos distintos: um relacionado à terra e ao povo judeu, e o outro relacionado ao céu, e à Igreja. Os dois propósitos de Deus para com Israel e com a Igreja estão organizados em “dispensações”, em cada dispensação, há diferentes maneiras em que se pode ser filho de Abraão. Uma dispensação pode ser definida como algo que: “[…] descreve as expectativas e propósitos únicos que Deus tem para determinado grupo de pessoas durante um período divinamente designado”. Para C. C. Ryrie, o dispensacionalismo é um conceito já presente nos Pais da Igreja, que pode ser constatado nos escritos de Justino Mártir, Irineu, Clemente de Alexandria e Agostinho. Joaquim de Fiori (c. 1135-1202), em seu sistema tripartido de história (a Era da Lei, a Era da Graça e a futura Era do Espírito e justiça), teria antecipado de forma rudimentar o dispensacionalismo. Sem dúvida alguma, o dispensacionalismo fortaleceu a doutrina do arrebatamento da igreja antes da Grande Tribulação.
Ao comentar o 13º artigo da Declaração de Verdades Fundamentais das Assembleias de Deus nos Estados Unidos (1916), que trata sobre “A Bendita Esperança”, Menzies e Horton afirmam que: “Após o arrebatamento, haverá um tempo de terrível tribulação e angústia predito pelos profetas do Antigo Testamento. […] Fica mais que evidente, pois, que nenhuma parte da Igreja de Cristo será deixada na terra para sofrer os julgamentos de Deus durante a tribulação”.
O teólogo Myer Pearlman (1898-1943), autor do livro Conhecendo as Doutrinas da Bíblia (lançado nos Estados Unidos em 1937) teve sua obra utilizada, por muitos anos, como livro-texto em vários institutos bíblicos e faculdades pentecostais, o que contribuiu para a disseminação do pré-tribulacionismo nas Assembleias de Deus. Segundo Pearlman: “Após o arrebatamento, segue-se um período de terrível tribulação, que terminará na revelação, ou manifestação aberta de Cristo proveniente do céu, quando estabelecerá seu reino messiânico sobre a terra”. Essa perspectiva de Pearlman foi citada integralmente em 15 de agosto de 1948, numa lição bíblica da Casa Publicadora das Assembleias de Deus (CPAD), intitulada “O Segundo Advento de Cristo”.
Nas Assembleias de Deus no Brasil, o pré-tribulacionismo foi disseminado principalmente através dos ensinos do missionário norte-americano Lawrence Olson (1910-1993), e mais especificamente do seu livro “O Plano Divino Através dos Séculos” (1956).
Eurico Bergstén (1913-1999), missionário finlandês, dedicou-se no Brasil ao ensino da Palavra em Escolas Bíblicas e outros espaços, escrevendo diversos comentários para revistas de Escola Dominical e cinco livros de ensino teológico que foram reunidos em 1999 num só volume sob o título de “Introdução à Teologia Sistemática”. Para Bergstén:
É preciso deixar bem claro que a segunda vinda de Jesus ocorrerá em duas fases distintas. Na primeira fase, haverá o arrebatamento da Igreja. Jesus voltará invisível aos olhos do mundo, detendo-se nas nuvens, e, em um abrir e fechar de olhos, arrebatará para si todos os santos. Isso ocorrerá antes da Grande Tribulação. A segunda fase da vinda do Senhor acontecerá sete anos mais tarde, já no fim da Grande Tribulação.
Entre os teólogos e escritores assembleianos brasileiros que ensinaram e escreveram sobre a doutrina pré-tribulacionista, destacamos aqui os pastores Antonio Gilberto (1927-2018) e Claudionor de Andrade, e isso através de diversos artigos, comentários de Lições Bíblicas e livros publicados.
O pré-tribulacionismo foi ratificado na Declaração de Fé das Assembleias de Deus no Brasil: “CREMOS, professamos e ensinamos que a Segunda Vinda de Cristo é um evento a ser realizado em duas fases. A primeira é o arrebatamento da Igreja antes da Grande Tribulação”.
Para a composição deste artigo consultamos as seguintes obras, que são importantes para ter em sua bíblioteca:
– Declaração de Fé das Assembleias de Deus. CPAD, 2017.
– Introdução à Teologia Sistemática de Eurico Bergstén. CPAD, 1999.
– Conhecendo as Doutrinas da Bíblia de Myer Pearlman. Editora Vida, 1987.
– Myer Pearlman: um pioneiro da Teologia Pentecostal. Edições Bernhard Johnson, 2024.
– Doutrinas Bíblicas: os fundamentos da nossa fé de William Menzies e Stanley Horton. CPAD, 1995.
– Dispensacionalismo: ajuda ou heresia de Charles C. Ryrie. ABECAR, 2004.
– Guia profetico para os fins dos tempos de Timothy Paul Jones. CPAD, 2017.
– A Volta de Jesus de Altair Germano. Edições Bernhard Johnson, 2022.
- Pastor, escritor e conferencista. Foi membro diretor da Sociedade Bíblica do Brasil (SBB), vice-presidente do Conselho de Educação e Cultura da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil (CEC-CGADB) e da Assembleia de Deus em Abreu e Lima (IEADALPE), e missionário na Itália. Atualmente é pastor auxiliar e presidente do Conselho de Doutrina da IEADALPE, e membro do Conselho de Doutrina da União de Ministros das Assembleias Deus no Nordeste (UMADENE). É mestre em teologia com especialização em ministério, especialista em educação cristã e em psicopedadogia, e licenciado em pedagogia. ↩︎