Raizes Pentecostais

Em uma igreja grande e diversa como a nossa, existem muitas formas pelas quais alguém se mostra pentecostal. Em meus tempos de mocidade, era comum que os jovens se organizassem para frequentar as vigílias da baixada fluminense, no estado do Rio de Janeiro. A maioria dos rapazes que ia a estas reuniões procurava trajar-se à moda dos pregadores itinerantes. Os ternos e camisas eram dos tecidos mais brilhantes, alguns pareciam metalizados. Os sapatos só eram dignos se fossem envernizados, e menos de duas cores no calçado não era aceitável. Assim, eles se exibiam pentecostais.

As moças, igualmente, adotavam um padrão de comportamento e vestimenta. Devo ser sincero: se o modo como andavam os homens parecia-me excessivamente brilhante, quase histriônico, as vestimentas das jovens me deixam saudoso da decência perdida, e que dificilmente há de ser recuperada em tantas igrejas. E eram pentecostais.

Ainda na cidade do Rio de Janeiro, lugar onde vivi dos três aos vinte e quatro anos, conheci outro grupo pentecostal, também discernido por suas peculiaridades, por seu comportamento próprio. Foi na capital fluminense que o Pastor Lawrence Olson fundou o icônico Instituto Bíblico Pentecostal. Instalado no subúrbio carioca, às margens da linha férrea que ligava o centro do Rio à Baixada, o prédio ganhava vida à noite, quando os alunos chegavam, especialmente de trem, vindos da Central do Brasil, fazendo na estação São Francisco Xavier uma escala para estudar a Bíblia antes de seguirem até Madureira, Marechal Hermes, Japeri e outras paradas até o fim da linha.

Aqueles irmãos esforçavam-se por se apresentarem às aulas com roupas que os distinguissem. Os homens trajavam social tanto quanto possível, ainda que sem paletó e gravata. As irmãs, que eram em menor número, mesmo chegando do trabalho, esforçavam-se para participar das aulas usando saias, como se fossem para uma manhã na Escola Dominical. Era bonito de ver. Inspirador, na verdade. E estes eram pentecostais, também.

As minhas lembranças não são tão distintas das que qualquer cristão assembleiano pode contar. Aliás, em qualquer lugar do Brasil existem os salvos no Senhor que, zelosos por sua fé e identidade denominacional, esforçam-se para circular pelas ruas na melhor compostura possível. Me lembro de ter a convicção de cumprimentar algum desconhecido com a paz do Senhor Jesus apenas por vê-lo andar nas ruas de calça social e de chinelos, indo ou vindo da padaria, ou do açougue – este foi um tipo muito comum nos bairros em que morei quando criança. A alegria era grande ao arriscar uma saudação e escutar de volta um caloroso “A paz do Senhor, meu irmão!”. E éramos todos pentecostais.

Mas agora é preciso abandonar o idealismo e permitir-se confrontar pela Bíblia, pela verdade. Estes padrões, como eu disse, se muito, nos definem como assembleianos. Mas para darem testemunho de nossa relação com o Espírito Santo, para nos marcarem como pentecostais, são insuficientes. Vou sacar das lembranças outra história para ilustrar o que quero dizer.

APARÊNCIA DE PIEDADE

Nos tempos de adolescência, a casa em que morávamos ficava imediatamente em frente de um templo das Assembleias de Deus. Todos os sábados, no período da tarde, havia naquela congregação uma reunião de libertação. Durante três horas o dirigente do trabalho falava ininterruptamente ao microfone, destilando profecias e revelações aos interessados. Depois de algumas semanas, meu pai começou a se incomodar com aquele ajuntamento. Algo não estava certo. O homem que dirigia aquele trabalho reunia todos os elementos visuais e comportamentais de um pentecostal, mas a sensação de erro era grande.

Tomado pelo Espírito Santo, meu pai procurou pelo pastor daquela igreja, um homem muito amoroso, que após escutar atentamente, decidiu afastar o tal obreiro daquela atividade, mesmo sem razão aparente para aquilo. Em poucos dias, a verdade veio à tona. O homem que conduzia o culto de libertação estava amarrado à pedofilia e ao homossexualismo.

A cultura pentecostal não nos enche do Espírito, por isso o apóstolo Paulo escreveu a Timóteo dizendo: “Sabe, porém, isto: que nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos […] tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te.” (2Tm 3.1 e 5). Se é verdade que os pentecostais temos um jeito próprio de ir e vir, de ser e estar, então, pode ser que o traquejo nos denuncie, porém, não é o trejeito que nos faz ser o que somos. O Espírito é que faz: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” (1Co 12.11).

JOEL 2 E ATOS 2

Os dois textos bíblicos mais importantes para nós, agora, estão registrados em Joel 2.28,29 e em Atos 2.14-18, os capítulos pentecostais.

Conforme a leitura deixa tão esclarecido, quando os discípulos de nosso Senhor, em cumprimento à Sua ordem, encontravam-se incessantemente buscando o Consolador, Cristo derramou sobre eles o Espírito. Quando isso aconteceu, diversas coisas deram-se com aqueles crentes. A primeira, a mais evidente, foi que eles falaram em línguas estranhas. O Consolador lhes dava este novo idioma, palavras nunca escutadas, expressões nunca ditas. Enfim, a forma como era o batismo de Cristo estava dada: quem buscasse a promessa falaria em línguas estranhas. Esta é a evidência.

Eu sempre achei impressionante o fato de Pedro ter tanta clareza sobre estar experimentando o cumprimento do que disse Joel. É lógico que o pescador, como qualquer menino judeu, foi instruído nas Escrituras desde cedo. É claro que ele conhecia os textos dos profetas. Mas daí a reconhecer-se inserido no cumprimento de uma profecia, é um salto muito grande, algo espetacular. Como ele soube?

De tão acostumados que estamos em ressaltar o poder pentecostal, esquecemo-nos de que a unção tem outras finalidades em nossas vidas. Leiamos 1 João 2.20: “E vós tendes a unção do Santo, e sabeis todas as coisas.” Note-se que a iluminação, o esclarecimento, é decorrente da atuação livre do Espírito Santo no crente. Logo, o Espírito que dá poder também dá entendimento.

É definitivamente importante que façamos estas afirmações, pois a quantidade de pretensos teólogos pentecostais que lançam dúvidas sobre o ocorrido em Atos 2 e, tanto pior, dúvida da correção exegética do discurso de Pedro naquele dia, bem como da associação entre Atos 2 e Joel 2, é cada vez maior. (Aliás, estes tais dizem-se teólogos pentecostais, mas, certamente, não são nenhuma coisa e nem outra.)

Ao discursar, Pedro o fez tomado pelo Espírito, e pelo Espírito veio-lhe a compreensão a respeito do que estava ocorrendo ali – e aquele evento era a profecia de Joel 2 em marcha. Se a Bíblia diz que em Atos 2 cumpriu-se o que fora dito por Joel, então essa é a verdade dos fatos. Verdade inegável, incontornável, única e absoluta.

O PENTECOSTAL ACREDITA EM ATOS 2. E EM TODA A BÍBLIA

Há uma expressão da qual não gosto muito, mas que agora faz sentido evocar, teologia pentecostal. Se ela existe, o seu principal mérito é a compreensão plena das Escrituras e a aceitação integral da revelação como atual. É claro que outras denominações protestantes, como as igrejas reformadas, aceitam integralmente a Bíblia (e seria injusto dizer que não), mas elas nem sempre reconhecem a sua atualidade, especificamente no que se refere ao batismo com o Espírito Santo e aos dons espirituais. Os pentecostais, por outro lado, nutrem um relacionamento completo com as Escrituras, não apenas aceitando-a inteiramente como verdade, mas reconhecendo a atualidade de todas as suas doutrinas. Todas!

Qualquer reverendo reformado pode descrever acertadamente o que aconteceu naquele cenáculo quando foi do céu descido o Consolador. Um pastor de igreja protestante histórica não encontraria dificuldades em explicar a mecânica de qualquer dos dons espirituais. Isso significa que o seu conhecimento destas doutrinas é muito razoável, notável até. Entretanto, os reformados não costumam ir além da descrição, pois não estendem a estas doutrinas a insígnia de atuais. E isso faz de sua teologia algo precário, pois quem acerta apenas uma parte da resposta errou toda a questão. Nós, no entanto, gabaritamos a prova.

Apesar de todo o carinho e respeito que devemos ter por todos os nossos irmãos em Cristo, eu não posso deixar de afirmar categoricamente: pela infinita misericórdia do Senhor, nós os pentecostais nos destacamos como aqueles que mais correta e integralmente ensinamos a Bíblia Sagrada desde a primeira hora. Só o mesmo Deus que assim nos formou é que tem o poder e autoridade para nos manter – e que Ele parta em nosso socorro, pois os riscos teológicos já não mais nos cercam, eles nos sabotam por dentro, e são em grande número.

HÁ UMA HISTÓRIA DO MOVIMENTO PENTECOSTAL?

É muito comum que a literatura se debruce sobre o Movimento Pentecostal como se ele estivesse restrito a um determinado momento da história, especialmente o final do século XIX. É uma forma muito limitada de compreender tudo o que Deus realizou desde Atos 2 através da Terceira Pessoa da Trindade. Se esta abordagem estivesse correta, significaria assumir que depois do primeiro século não mais houve batismos com o Espírito Santo, não mais os dons espirituais ocorreram, não mais as línguas estranhas foram escutadas até que, sem qualquer motivo aparente, alguém houvesse decidido buscar o poder pentecostal. Teria sido assim mesmo? Depois de Pedro e os crentes no cenáculo (Atos 2), após Cornélio (Atos 10) e os irmãos de Éfeso (Atos 19), os próximos foram William Seymour e Charles Parham, quase dois mil anos depois?

O arranjo didático para contar a história do Cristianismo sugere que, desde o encerramento da igreja apostólica, o carisma desapareceu da historiografia. Mesmo os heróis da fé como Jerônimo Savonarola, Lutero, Calvino, Huss e tantos outros pareciam não estar sob a égide da promessa do Espírito. E, de repente, no século XIX, as pessoas voltaram a ser batizadas com o Espírito Santo como em Atos. Seria isso mesmo? O fato de a história do Cristianismo ser contada majoritariamente por historiadores de igrejas não pentecostais é algo que não pode ser ignorado por nós.

A igreja de nosso Senhor Jesus sempre foi pentecostal. O falar em outras línguas, porém, soa tão evidente nos últimos cento e quarenta anos como parece inexistente entre os anos 100 e os anos 1800, mas é impossível que o povo de Deus tenha passado mil e setecentos anos sem falar noutras línguas.

Logo, se é verdade que Parham e Seymour merecem destaque, todos os pentecostais antes deles requerem atenção e pesquisa. A Igreja do Cordeiro é Pentecostal. Sempre foi e sempre será:

  • Justino Mártir (100-165) escreveu que os crentes de seus dias expulsavam demônios e curavam enfermos;
  • Irineu (130-202) dizia ser impossível calcular as manifestações de dons nos seus dias;
  • Os montanistas, por exemplo, entraram para a história da igreja como hereges, mas os estudos sinceros sobre eles ensinam que já nos anos 160 da era cristã eles estavam deveras incomodados com a frieza espiritual que já se assenhorava da igreja primitiva. Tertuliano escreveu que eles eram doutrinariamente assemelhados a toda a cristandade.
  • Ambrósio (339-397) testificou curas e línguas estranhas;
  • Agostinho (354-430) falou sobre cegos, doentes e endemoninhados solvidos de seus problemas. Também disse sobre mortos voltando à vida;
  • Francisco de Assis (1181-1226) teve um ministério repleto de milagres;
  • Lutero (1483-1546) curou enfermos em nome de Jesus;
  • Wesley (1703-1791) disse que a falta de fé e de santidade afasta o Espírito Santo, e teve o coração aquecido quando foi batizado.

Vê-se, então, que a ação do Espírito Santo de Deus, desde Atos 2, manteve-se intensa como no evento contado pelo médico amado, Lucas. Não é exato falar em um século do Espírito, em uma era do Espírito, pois não houve momento em que o Espírito Santo tenha deixado de agir. Os frios pesquisadores puderam usar a distância histórica para esconder que os heróis da fé são carismáticos, mas ocultar o Espírito Santo dos seus contemporâneos não foi possível aos gélidos teólogos acadêmicos.

A VERDADEIRA IGREJA É PENTECOSTAL

Uma das mais absurdas mentiras já contadas nos púlpitos de muitas igrejas é a de que os dons espirituais e o batismo com o Espírito Santo sejam restritos aos tempos do Novo Testamento. Alguns anos atrás, convidado por uma editora pentecostal para trabalhar na revisão de uma teologia sistemática escrita por um autor estrangeiro, deparei-me com dois capítulos inteiros daquela obra dedicados a negar que hoje alguém possa ser revestido com poder e falar em línguas estranhas.

O que senti lendo aqueles muitos parágrafos foi medo, um temor grandíssimo e um tremor incontrolável. Como poderia ser que alguém que tenha dedicado tantos anos de sua vida à Bíblia tenha alcançado a conclusão equivocada de negar o poder pentecostal? Ressentia-me, durante a leitura, de estar encarando o texto de um homem que talvez tenha comprometido irremediavelmente a sua salvação ao negar a obra completa do Espírito Santo, e com tanto empenho. Foi uma experiência triste.

A história mostra que a verdadeira igreja é pentecostal. O Pentecoste faz parte da identidade da Igreja perfeita de nosso Senhor Jesus!

A era do Espírito Santo corresponde à era da própria igreja de Cristo. Ao interpretar corretamente o profeta Joel, Pedro assinalou o início da era dos gentios. Escatologicamente, aliás, o período da igreja corresponde ao interregno entre a sexagésima nona e a septuagésima semana do profeta Daniel. Significa que os tempos escatológicos foram iniciados ali também – e certamente vivemos, hoje, os tempos apocalípticos, pois já estamos nos primeiros três capítulos da Revelação que registrou João em Patmos.

Assim, nunca houve um momento histórico, especialmente desde Atos 2, em que o Espírito não tenha revestido de poder os santos, e esta promessa caminha para o seu ápice, posto que o seu cumprimento já se iniciou. A Igreja de nosso Senhor é pentecostal, e jamais houve um só dia em que não haja sido.

Pr. Gunar Berg – Superintendente da EETAD